sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Crença

Uma vez um amigo me disse que cada pessoa nesse mundo possui uma cota de experiências. Algumas escolhem vivê-las inteiras e de uma vez. Acabam confundidas num mundo de opções encantadoramente desconhecidas, se perdem nas escolhas por pressa, vivem a tal urgência sobre uma linha inconseqüente. Um olhar sempre afoito que não mede riscos. Essa escolha afobada que, deveras, proporciona momentos incríveis, vai embaçar uma penca de possíveis desejos. Uma vida inteira que provavelmente acabará cedo, na atropelada última experiência.
Para evitar atropelos, ou que qualquer fim lhe tome num susto, algumas pessoas economizam suas experiências. Optam por vivê-las cautelosas. Guardam, pacientemente, as melhores para os últimos momentos. As protegem tanto que, não raro, elas se perdem num mundo de utopias. E no fim, quando viver a última experiência já não parecer tão incrível, porque já se esticou tanto uma vida cultivando vontades, esse fim, que sim chegará tarde, lhe tomará de susto e isso será inevitável. Uma estaca de faltas será cravada num peito de longos anos.
Das duas tendências descritas certo é que o fim não pode ser premeditado. Isso porque o número de experiências que nos conspira o universo é o grande mistério da vida. Não se sabe nada dos (in)escrupulosos critérios adotados por Deus, o Cosmos, o Destino ou o acaso. Se consideram compensações de quantidade x intensidade ou se privilegiam mais uns humanos que outros conforme suas vontades. Por isso o fim sempre, sempre chegará num susto. Atropelado ou mastigado como chicletes.
Estou agora, nesse exato momento, em um quarto de seis camas de um hostel em uma cidade que não fala a minha língua. Estou só. O prédio anda meio vazio em função do alarde sanitário de uma tal gripe que, até agora, vi mais na mídia que nas ruas. Hoje eu poderia ter feito muitas coisas. Talvez almoçado com Aleja ou com Ari. Talvez ido visitar Luana e Christel em San Isidro. Ou Pablo e Marilha em Congresso. Poderia estar com Ana e sua abuela porteña, comendo umas minipizzas com juco de naranja. Poderia ter ido a um dos tantos lugares ainda por conhecer. Mas meu estado de saúde me obrigou a ficar por aqui. Meio interditada. Esperando qualquer melhora para eu me perder em qualquer lugar amanhã.
Inevitavelmente, depois de trabalhos, emails de saudade, filmes, me restou um tempo morto – excelente oportunidade para organizar idéias. E comecei assim, escrevendo qualquer coisa, analisando teorias alheias para ver se me entendo um pouco. Perseguida por uma dúvida insistente, dessas que passeia pelos mais obscuros redutos cerebrais, o que eu estou fazendo aqui, meu Deus?
Algo me diz que meu saquinho de experiências perdeu alguns níveis. Mas ele continua bem pesado. Esse tempo away tem sido imprescindível to put some things on.
O início não foi nada fácil. Mas agora, já adaptada à ausência dos que mais amo, meio perdida numa rotina que reinvento, a única coisa que percebo é que preciso de mais tempo, menos dinheiro e mais coragem. Na minha cabeça grita uma incontrolável vontade de me perder mais, mirabolando planos que me tiram o ar enquanto me lustram os olhos e estampam sorrisos.
Algo me faz encarar essa viagem curta como um começo. E não sei se quero guardar por muito mais tempo meus desejos. Mas também não tenho pressa de desfrutá-los todos antes que amanheça.
Não sei se desde aqui de Buenos Aires, de São Paulo ou mesmo de Recife, se amanhã ou daqui a um ou dois meses, algo me diz que essa viagem continua. Com objetivos cada vez mais simples e histórias cada vez mais livres e não menos intensas.
E cada experiência que tiro do saco para a memória me faz perceber que não importa muito que o fim chegue num susto, mesmo que o saco de vontades ainda pareça pesado. Não importa quando se está dando a cada experiência tempo suficiente para que ela exerça sua glória, desfrutando-las como um nirvana, uma por uma, sem demasiadas esperas ou, muito menos, irracionais ânsias.