quarta-feira, 9 de setembro de 2009

FIM DE FERIAS

Retomo, enfim, minhas atividades no LADAINHAS.
Quem for de vez ou outra passar por aqui, vez ou outra apareça por lá.
Eis o ultimo post do Mis Aires

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Crença

Uma vez um amigo me disse que cada pessoa nesse mundo possui uma cota de experiências. Algumas escolhem vivê-las inteiras e de uma vez. Acabam confundidas num mundo de opções encantadoramente desconhecidas, se perdem nas escolhas por pressa, vivem a tal urgência sobre uma linha inconseqüente. Um olhar sempre afoito que não mede riscos. Essa escolha afobada que, deveras, proporciona momentos incríveis, vai embaçar uma penca de possíveis desejos. Uma vida inteira que provavelmente acabará cedo, na atropelada última experiência.
Para evitar atropelos, ou que qualquer fim lhe tome num susto, algumas pessoas economizam suas experiências. Optam por vivê-las cautelosas. Guardam, pacientemente, as melhores para os últimos momentos. As protegem tanto que, não raro, elas se perdem num mundo de utopias. E no fim, quando viver a última experiência já não parecer tão incrível, porque já se esticou tanto uma vida cultivando vontades, esse fim, que sim chegará tarde, lhe tomará de susto e isso será inevitável. Uma estaca de faltas será cravada num peito de longos anos.
Das duas tendências descritas certo é que o fim não pode ser premeditado. Isso porque o número de experiências que nos conspira o universo é o grande mistério da vida. Não se sabe nada dos (in)escrupulosos critérios adotados por Deus, o Cosmos, o Destino ou o acaso. Se consideram compensações de quantidade x intensidade ou se privilegiam mais uns humanos que outros conforme suas vontades. Por isso o fim sempre, sempre chegará num susto. Atropelado ou mastigado como chicletes.
Estou agora, nesse exato momento, em um quarto de seis camas de um hostel em uma cidade que não fala a minha língua. Estou só. O prédio anda meio vazio em função do alarde sanitário de uma tal gripe que, até agora, vi mais na mídia que nas ruas. Hoje eu poderia ter feito muitas coisas. Talvez almoçado com Aleja ou com Ari. Talvez ido visitar Luana e Christel em San Isidro. Ou Pablo e Marilha em Congresso. Poderia estar com Ana e sua abuela porteña, comendo umas minipizzas com juco de naranja. Poderia ter ido a um dos tantos lugares ainda por conhecer. Mas meu estado de saúde me obrigou a ficar por aqui. Meio interditada. Esperando qualquer melhora para eu me perder em qualquer lugar amanhã.
Inevitavelmente, depois de trabalhos, emails de saudade, filmes, me restou um tempo morto – excelente oportunidade para organizar idéias. E comecei assim, escrevendo qualquer coisa, analisando teorias alheias para ver se me entendo um pouco. Perseguida por uma dúvida insistente, dessas que passeia pelos mais obscuros redutos cerebrais, o que eu estou fazendo aqui, meu Deus?
Algo me diz que meu saquinho de experiências perdeu alguns níveis. Mas ele continua bem pesado. Esse tempo away tem sido imprescindível to put some things on.
O início não foi nada fácil. Mas agora, já adaptada à ausência dos que mais amo, meio perdida numa rotina que reinvento, a única coisa que percebo é que preciso de mais tempo, menos dinheiro e mais coragem. Na minha cabeça grita uma incontrolável vontade de me perder mais, mirabolando planos que me tiram o ar enquanto me lustram os olhos e estampam sorrisos.
Algo me faz encarar essa viagem curta como um começo. E não sei se quero guardar por muito mais tempo meus desejos. Mas também não tenho pressa de desfrutá-los todos antes que amanheça.
Não sei se desde aqui de Buenos Aires, de São Paulo ou mesmo de Recife, se amanhã ou daqui a um ou dois meses, algo me diz que essa viagem continua. Com objetivos cada vez mais simples e histórias cada vez mais livres e não menos intensas.
E cada experiência que tiro do saco para a memória me faz perceber que não importa muito que o fim chegue num susto, mesmo que o saco de vontades ainda pareça pesado. Não importa quando se está dando a cada experiência tempo suficiente para que ela exerça sua glória, desfrutando-las como um nirvana, uma por uma, sem demasiadas esperas ou, muito menos, irracionais ânsias.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Busca

Eu seria incapaz de amar até o dia em que alcançasse meu sonho. Nunca, antes, havia pensado nisso. Bem imaturas as promessas que nos fazemos e mentiroso o mundo que inventamos para justificar nossos anseios.
Meu sonho. Desde que se afundou em mim, inundou minha alma como único vislumbre de felicidade. Amputou-me braços. Escorraçou qualquer amarra. Eu não poderia. Nunca poderia. Encontrar felicidade aqui me desfaleceria planos de uma vida.
Meu sonho. Unânime em minha mente. Fez-me lúcida o bastante para cascavilhar caminho, qualquer que fosse. Meu sonho de outro corpo que ocupasse esse que tanto desprezo quando o visto, em falta...
Queria saber de onde veio. Quando emergiu pungente. Só sei que não há reconhecimento de beleza, qualquer ou tamanho encantamento alheio, que livre das juvenis privações já escritas. Pois que ceguem todos de amores ao me olharem, embriagando no meu abandono como vingança. Lástima. Meu sonho aqui não se encontra. Ele precisa de transporte que percorra longas distâncias.
Meu sonho implica certas ausências. Precisa de pouca ou nenhuma recriminação. Do conforto do anonimato. Meu sonho precisa de um grande, um grande espaço. Um bom intervalo para que eu me busque outro corpo. Monte em mim outro rosto. Corte cabelo, construa outro estilo. Descubra o que em mim é essência ao cabo de qualquer vontade.
Ai sim. Tão e simplesmente. Nua e lavada. Vazia de novos desejos. Desconhecida. Nova. Ai sim, e provavelmente ainda distante, em pleno ápice de sonho realizando, estarei livre. Assim... para me atar de um único amor inteira.

domingo, 14 de junho de 2009

Leve

Foi preciso sentir saudade. Abrir a janela para ver-te azul cintilante. Fechar os olhos para desenhar-te em pálpebras, teu perfil perfeito. Foi preciso sentir saudade. Ficar distante. Outra cidade. Foi preciso um matar de tempo, qualquer outro canto, outra língua. Um pouco de isolamento e ver-te mais perto ainda. Foi preciso mergulhar outros ares. Apnéia, ares profundos. Desbravar qualquer outra parte, nadar outros mares, outros mares, costurar pele, arrancar vícios, desatar-se, foi preciso um espaço enorme. Foi preciso ensaiar fuga, construir redoma, enfeitar paredes. Foi preciso tecidos e luzes, inventar beleza que sustentasse tua ausência. Foi preciso uma força enorme.
Foi preciso uma dor gigante, fazer-se errante, um olhar um tão vago. Qualquer coisa, sem teu abraço. Um canto que não fosse meu. Um jeito que não fosse eu. Um corpo que não fosse tu, para eu fechar meus olhos e desenhar-te em minhas pálpebras, teu perfil perfeito. Foi preciso um estar não estando. E fazendo um fazer não tão fácil. Um andar que nem sempre preciso. Um falar muito mais quando calo. Foi preciso uma força com suspiro de impulso. Uma força enorme. Qualquer outro canto. Outra língua. Um espaço enorme para sonhar-te. Abrir janela, ver-te, azul cintilante. Foi preciso ficar distante. Foi preciso fazer-se à parte, para que se fizesse urgente matar saudade.

Inspirado no espetáculo LEVE (Renata Muniz e Maria Agrelli) - no Hermilo até 28.jun.
Inclusive, as quatro primeiras frases eu, mais ou menos, roubei.




PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
Mário Quintana

sábado, 13 de junho de 2009

Especulações

A água morna lhe tocou a nuca eriçando pelos, como múltiplas alfinetadas nos músculos das costas, descendo nádegas e pernas, corpo, mantido na ponta dos pés, sacudindo um pouco. Do basculante espiava a rua cinza de prédios antigos e pessoas perdidas em trajetos e agasalhos. Uma solidão matinal alisou sua pele planejando abraço, afastado prontamente com sabão e muita espuma. Balançava a cabeça e os cabelos com pulinhos frenéticos embaixo do chuveiro forte, quase uma teimosia em se fazer desperta.
Ela já sabia. Cuando lista, empurraria delicadamente a porta da sala, já ensaiando malícia pelo corredor. Su desayuno en una hermosa panadería, dos cuadras desde su casa. Seguiria calles a largos pasos. Sin destino, sino deseo. Como se todo tiempo fuera temprano y conociera a toda parte desde otra vida. Ocuparia cafés mirando porteños com ares de amantes irrecuperáveis. Poetas de bossa. Súditos da beleza. Palavras atando-lhe vínculos. Pela noite cairia em braços aventureiros de soturnos cafajestes sem identidade nem ameaça de Bom dia. Volvería, com seus companheiros de viagem, a su casa vacía.
Sonhava calles y plazas com o dedo indicador apagando coisa do mormaço sobre o vidro do box. Pele engelhada, queixo batendo forte, últimas gotas morninhas. A música da rua chegando mais limpa quando fechou o chuveiro até o fim. Do basculante dava pra ver. Um Chevette amarelo velho. Um homem, com seus 40 acomodados anos, apoiado na lataria, envolto em uma névoa de fumo barato. Acordes brasileiríssimos de amores de outras épocas pulsando nas caixas de som do porta-malas e das portas dianteiras abertas "Tem os olhos cheios de esperança, de uma cor que mais ninguém possui..."
Calçando suas argentinas botas rasteiras vermelhas e abrigada em seu sobretudo bem cortado, camurça gris com riscas pretas, cruzou a rua e o homem e a música, que lhe invadia de nostalgia, com uma pressa de fuga. Se perderia, tal qual os outros andantes, em trajetos e agasalhos, buscando, quem sabe, um cair de amores.
Mas no fundo, bem no fundo, ela já sabia. Cualquier fuera el labirinto que hiciera, à noite a tal nostalgia invariavelmente alcançaria suas idéias incitando ânsias de sussurros ao pé do ouvido. Sussurros, com identidade bem definida y dirección de aires lejanos, confessando "Olha, você tem todas as coisas que um dia eu sonhei pra mim..."


A música do texto:
Olha - Roberto Carlos